Adeus da Série “Referências Mitológicas em Dom Quixote”

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

Sinon, Sísifo, Tântalo, Teseu, Tício, Ulisses, Vênus, Vulcano e Zeus

Mário Amora Ramos

Sinon era filho de Sísifo, ao qual é dedicado o próximo verbete. Sinon deixou-se aprisionar pelos troianos para ajudar os compatriotas gregos a infiltrarem o Cavalo de Troia. Cervantes refere-se às “traições de Sinon” (las traiciones de Sinón) [I, XLVII], embora ele tenha sido mais propriamente um agente secreto dentro das linhas inimigas.

O comentarista Martín de Riquer esclarece que “segundo as lendas clássicas [Sinon] era grego, mas no tempo de Cervantes divulgou-se a crença de que era um troiano a serviço do inimigo (como em Troya abrasada, de Calderón e Zabeleta), o que justifica que lhe atribuam traições”.

Sísifo, na mitologia grega, era rei de Corinto, condenado pelos deuses ao suplício de rolar uma pedra pesada para o alto de uma montanha, a qual rolava de volta para baixo, num trabalho improdutivo e interminável. A Canção de Crisóstomo se refere a Sísifo e seu “peso terrível” (peso terrible) [I, XIV].

Tântalo, na mitologia grega, era rei da Frígia, condenado pelos deuses ao suplício da sede, tendo água até o pescoço, e da fome, por não alcançar os frutos da árvore que lhe dava sombra. A Canção de Crisóstomo se refere a “Tântalo com sua sede” (Tántalo con sua sed) [I, XIV].

Teseu, rei de Atenas, matou o Minotauro no labirinto de Creta, ajudado por um fio que lhe foi dado por Ariadne. Dom Quixote adverte Sancho contra os encantadores, que podem envolvê-lo “num labirinto de imaginações, que não conseguirias sair dele, nem que tivesses a corda de Teseu” (en un laberinto de imaginaciones,que no aciertes a salir dél, aunque tuvieses la soga de Teseo). [I, XLVIII].

Tício era um gigante, condenado pelos deuses ao suplício de ter suas entranhas roídas por um abutre. A Canção de Crisóstomo se refere a Tício e “seu abutre” (su buitre) [I, XIV].

Ulisses, também chamado Odisseu, foi o herói da Odisseia, de Homero. Dom Quixote se refere a ele como “prudente e sofrido” (prudente y sufrido) [I, XXV]. V. também Calipso, Cila e Caríbdnis, Circe, Penélope e Polifemo.

Vênus, na mitologia romana, é a deusa do amor. Corresponde a Afrodite, na mitologia grega. Ela aprarece na Canção de Altisidora “nas suas selvas” (en sus selvas) [II, LXII] e nesta referência a Vulcano, “o ciumento deus dos ferreiros que prendeu Vênus e Marte numa rede” (el celoso dios de los herreros enredó a Venus y a Marte) [II, LXVIII].

Vulcano, na mitologia romana, é o deus dos ferreiros, equivalente a Hefesto, na mitologia grega. Ele aparece indiretamente como “deus das ferrarias” (dios de las herrerías) [I, XXI] e como “o ciumento deus dos ferreiros”, no verbete acima.

Zeus, o deus supremo dos gregos, não é mencionado diretamente em Dom Quixote, mas aparece nos verbetes Dânais, Faetonte e Plêiades. Há, no entanto, um verbete referente a Júpiter, seu equivalente na mitologia romana.

Encerram-se aqui as referências mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, numa modesta homenagem ao quarto centenário da morte do autor, em 1516.

Criaturas

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

Quimera, Sagitário, Sátiros, Sileno e Silvanos

Mário Amora Ramos

Quimera foi um monstro da mitologia grega, morto por Belerofonte, com a ajuda de Pégaso, o cavalo alado. A quimera lançava fogo pelas narinas e tinha cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente. Ela aparece como sinônimo de criatura fantástica na Canção de Crisóstomo, nestes versos:

“E o porteiro infernal dos três rostos,

Com outras mil quimeras e mil monstros”

(Y el portero infernal de los tres rostros,

con otras mil quimeras y mil monstros,) [I, XIV]

O “porteiro infernal dos três rostos” é Cérbero, um cão de três cabeças, guardião do inferno, para o qual há um verbete específico.

A quimera aparece diversas vezes no texto de Dom Quixote, como neste exemplo, no sentido de sonho, fantasia ou acontecimento fantástico:

“Ali Dom Quijote estava atento, sem proferir palavra, considerando estes tão estranhos acontecimentos, atribuindo-os todos a quimeras da cavalaria andante.”

(Allí don Quijote estaba atento, sin hablar palabra, considerando estos tan estraños sucesos, atribuyéndolos todos a quimeras de la andante caballería.) [I, XLII]

Sagitário é um centauro (meio homem, meio cavalo) que dispara seu arco. A palavra deriva do latim sagitta (flecha). Sancho Pança, em conversa com seu amigo Ricote, contou que governara a ilha Baratária “como um sagitário” (como un sagitario) [II, LIV], talvez se referindo à rapidez com que um sagitário dispara suas flechas.

Sátiros, na mitologia grega, eram assistentes de Dioniso, o deus do vinho (Baco, para os romanos). Os sátiros tinham orelhas pontudas, chifres curtos, cabeça e corpo de homem e pernas de cabra. Foram citados por Dom Quixote em sua penitência na Serra Morena:

“Ó vós outras, napeias e dríades, que usais habitar no mais cerrado dos montes, assim os ligeiros e lascivos sátiros de quem sois amadas, posto que em vão, não perturbem jamais o vosso doce sossego; ajudai-me a deplorar a minha desventura, ou pelo menos não vos canseis de ma ouvir!”

(¡Oh vosotras, napeas y dríadas, que tenéis por costumbre de habitar en las espesuras de los montes, así los ligeros y lascivos sátiros, de quien sois, aunque en vano, amadas, no perturben jamás vuestro dulce sosiego, que me ayudéis a lamentar mi desventura, o, a lo menos, no os canséis de oílla!) [I, XXV].

Sileno era o líder dos sátiros e tutor de Dioniso. Dom Quixote se refere a ele como “aquele bom velho Sileno, aio e pedagogo do alegre deus do riso” (aquel buen viejo Sileno, ayo y pedagogo del alegre dios de la risa) [I, XV].

Silvanos, na mitologia romana, eram as divindades masculinas do bosque (em latim, silva). Eles correspondem aos sátiros, da mitologia grega. Foram citados por Dom Quixote em sua penitência na Serra Morena [I, XXVI].

Deusas e Equestres

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

Palas Atena, Palinuro, Parcas, Páris e Pégaso

Mário Amora Ramos

Palas Atena é a deusa grega da sabedoria, equivalente à deusa romana Minerva. O Cavalo de Troia era um cavalo de madeira, presente dos gregos, consagrado a Palas, mas na verdade carregado de soldados para atacarem os troianos. Um autêntico “presente de grego”. Dom Quixote, precavido, quer examinar Clavilenho, o cavalo de madeira do trote dos duques:

“Se bem me lembro, li em Virgílio o caso do Palácio de Troia, que foi um cavalo de madeira, que os gregos consagraram a Palas, e que ia cheio de cavaleiros armados, que depois foram a ruína total de Troia; e assim será bom ver primeiro o que tem Clavilenho no estômago.”

(Si mal no me acuerdo, yo he leído en Virgilio aquello del Paladión de Troya, que fue un caballo de madera que los griegos presentaron a la diosa Palas, el cual iba preñado de caballeros armados, que después fueron la total ruina de Troya; y así, será bien ver primero lo que Clavileño trae en su estómago.) [II, XLI].

Clavilenho também está nos verbetes Belerofonte e Faetonte.

Palinuro era o timoneiro do navio de Eneias, na Eneida, de Virgílio. Dom Luís, enamorado de Clara de Viedma, citou o piloto na canção que dedicou a ela, neste trecho:

“Vou seguindo uma estrela

que desde longe descubro

mais bela e resplandecente

Que quantas viu Palinuro.”

(Siguiendo voy a una estrella

que desde lejos descubro,

más bella y resplandeciente

que cuantas vio Palinuro.) [I, XLIII]

Parcas são as três deusas da mitologia grega que tecem, medem e cortam o fio da vida, como indica esta frase da Condessa Trifaldi: “se já os fados invejosos e as Parcas endurecidas não lhe cortaram o fio da vida” (si ya los hados invidiosos y las parcas endurecidas no la han cortado la estambre de la vida.) [II, XXXVIII].

Páris foi mencionado no verbete Menelau, o rei de Esparta, casado com Helena. Ela foi raptada pelo troiano Páris, o que motivou a guerra de Troia, narrada por Homero na Ilíada (cujo nome deriva de Ilios, o equivalente grego de Troia).

Voltando para sua aldeia, Dom Quixote e Sancho Pança encontram numa estalagem modesta um tapeçaria que retrata “o rapto de Helena, quando o atrevido hóspede a levou de Menelau” (el robo de Elena, cuando el atrevido huésped se la llevó a Menalao) [II, LXXI].

Pégaso foi citado no verbete Belerofonte, matou a Quimera, com a ajuda de Pégaso, seu famoso cavalo alado. Ele é mencionado por Dona Dolorida, a condessa barbada, numa conversa com Sancho, referindo-se a Clavilenho: “O nome – respondeu a Dolorida – não é como o do cavalo de Belerofonte, que se chamava Pégaso” (El nombre -respondió la Dolorida- no es como el caballo de Belorofonte, que se llamaba Pegaso) [II, XL].

Voltamos

Eu queria dizer que a ausência da coluna do Mário durante a minha ausência foi inteiramente minha culpa. Voltamos com a programação normal. Para minha sorte, os verbetes dessa coluna falam bastante sobre renascimento. Apropriado.


 

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Estige, Euríalo e Niso, Faetonte, Faunos, Febo e Fênix

 

Mário Amora Ramos

 

Estige é o rio que circunda o Hades, o inferno grego. Ele foi mencionado no verbete Aquiles, uma vez que sua mãe, Tétis, o mergulhou no rio Estige para torná-lo invulnerável, mas a água não molhou o calcanhar, por onde ela o segurava.

 

O rio Estige foi também mencionado no verbete Caronte, o velho barqueiro do Hades, filho de Érebo (Escuridão) e da Noite, que transportava as almas dos mortos para o outro lado do rio.

 

O nome do rio, em grego, significa Detestável e, em inglês, escreve-se Styx. Na encenação da morte de Altisidora, num dos trotes dos duques, um mancebo cantou que sua alma ia “por el estigio lago conducida” (pelo estígio lago conduzida) [II, LXIX].

 

Euríalo e Niso são dois jovens troianos que acompanharam Eneias, segundo a Eneida, de Virgílio. Eles simbolizam uma grande amizade. Há referências à “amizade de Euríalo” (la amistad de Eurialio) [I, XLVII], com grafia incorreta no original cervantino, e à amizade que “tiveram Euríalo e Niso” (que tuvieron Niso e Euríalo) [II, XII], desta vez com a grafia correta.

 

Faetonte é filho de Hélio, o primeiro deus do Sol da mitologia grega. Hélio era filho do titãs Hipérion e Teia, bem como irmão de Aurora. Apolo é também considerado o deus do Sol.

 

Faetonte tentou dirigir a carruagem do pai e quase incendiou a Terra, se Zeus, o deus supremo dos gregos, não o tivesse derrubado com um raio. Ele não é citado diretamente, mas, no episódio do voo de Clavilenho, Dom Quixote assim alerta Sancho:

 

“- Segura-te, valoroso Sancho, que te bamboleias! Vê não caias, que a tua queda seria pior que a do atrevido moço que quis governar o carro do Sol seu pai.”

 

(-¡Tente, valeroso Sancho, que te bamboleas! ¡Mira no cayas, que será peor tu caída que la del atrevido mozo que quiso regir el carro del Sol, su padre!) [II, XLI].

 

Faunos, na mitologia romana, correspondem aos sátiros, da mitologia grega. Foram citados por Dom Quixote em sua penitência na Serra Morena [I, XXVI].

 

Febo é o equivalente grego de Apolo, o deus da poesia. Dom Quixote cita Febo a as musas ao elogiar os versos de Dom Lourenço [II, XVIII]. Febo é também identificado como o Sol [II, XLV].

 

Fênix é uma ave da mitologia egípcia, bela e solitária, que vivia no deserto da Arábia por 500 ou 600 anos e se consumia pelo fogo, renascendo de suas próprias cinzas, para um novo ciclo de vida. É um símbolo de imortalidade e renovação. A Condessa Trifaldi referiu-se à “fênix da Arábia” (el fénix de Arabia) (II, XXXVIII) como exemplo ilustrativo das promessas do sedutor Dom Clavijo à infanta Antonomásia.

 

A capital do Arizona nos Estados Unidos (Phoenix) deve seu nome à ave mitológica. O nome é de origem grega e deriva da região da Fenícia (Phoenicia).

Belas e Abandonadas

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Dido, Dite, as Dríades e Eco

Mário Amora Ramos

Dido, a Rainha de Cartago, apaixonou-se pelo herói troiano Eneias, que posteriormente a abandonou, como conta a Eneida, de Virgílio, no livro IV.

 

Dom Quixote refere-se a Dido, ao se dirigir à Dona Rodríguez, nesta fala:

“A vós mesma – replicou Dom Quixote; – porque nem eu sou de mármore, nem vós sois de bronze, e não são dez horas do dia, é meia-noite, e ainda um pouco mais, ao que imagino, e em uma estância mais cerrada e secreta do que devia ser a cova em que o traidor e atrevido Eneias aproveitou-se da formosa e piedosa Dido.”

 

(-A vos y de vos la pido -replicó don Quijote-, porque ni yo soy de mármol ni vos de bronce, ni ahora son las diez del día, sino media noche, y aun un poco más, según imagino, y en una estancia más cerrada y secreta que lo debió de ser la cueva donde el traidor y atrevido Eneas gozó a la hermosa y piadosa Dido.) [II, XVIII].

 

Mais adiante, voltando para sua aldeia, Dom Quixote e Sancho Pança encontram numa estalagem modesta uma tapeçaria que retrata “a história de Dido e de Eneias: ela, numa alta torre, acenando com meio lençol para o fugitivo hóspede, que fugia pelo mar numa fragata ou bergantim” (la historia de Dido y de Eneas, ella sobre una alta torre, como que hacía señas con una media sábana al fugitivo huésped, que por el mar, sobre una fragata o bergantín, se iba huyendo). O autor acrescenta que “a formosa Dido parecia que vertia lágrimas do tamanho de nozes” (la hermosa Dido mostraba verter lágrimas del tamaño de nueces por los ojos) [II, LXXI].

Dite, na mitologia romana, corresponde a Plutão, o rei do inferno da mitologia grega.

Numa encenação no castelo dos Duques, o mago Merlim diz num de seus versos que estava “Nas cavernas lôbregas de Dite” (En las cavernas lóbregas de Dite) [II, XXXV].

Mais adiante, a mesma expressão volta a aparecer numa encenação da morte de Altisidora, quando Minos, um dos três juízes dos mortos, dirige-se a Radamanto (outro juiz, ambos já apresentados no verbete Campos Elísios, juntamente com Eaco, o terceiro juiz).

Dríades (em espanhol, dríadas) são as ninfas dos bosques da mitologia grega, citadas de passagem por Dom Quixote, em sua penitência na Serra Morena [I, XXV], juntamente com as napeias (em espanhol, napeas), que eram as ninfas do vale.

Eco era uma ninfa da mitologia grega que, por seu amor não correspondido pro Narciso, sucumbiu até que só restou sua voz. Ela é a “dolorosa e úmida Eco” (la dolorosa y húmida Eco) [I, XXVI], por suas muitas lágrimas.

Passagens

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Cérbero, Cila e Caríbdis e Circe

Mário Amora Ramos

Cérbero era o cão de três cabeças que guardava as portas do Hades, o mundo infernal da mitologia grega. Só sombras ou espíritos podiam entrar no Hades. No entanto, três personagens conseguiram subjugar Cérbero:

O primeiro foi Orfeu, que encantou Cérbero com sua música, e ele o deixou sair com sua mulher, Eurídice.

O segundo foi Hércules, que apertou Cérbero com tanta força que ele se tornou dócil e Hércules o levou para a Micenas, para que o rei Euristeu o visse. O rei ficou tão atemorizado que imediatamente enviou Hércules de volta com o monstro.

O terceiro foi uma sibila, que conduziu Eneias, o guerreiro troiano, ao mundo inferior para conhecer o futuro de Roma. Conta a lenda que a sibila deu-lhe um pastel e Cérbero adormeceu.

Na Canção de Crisóstomo há uma referência implícita a Cérbero, “o porteiro infernal dos três rostos” (el portero infernal de los tres rostros) (I, XIV).

Cila e Caríbdis são dois monstros femininos da mitologia grega. Cila é também um rochedo perigoso para a navegação, situado no Estreito de Messina. Caríbdis é um redemoinho, situado no lado oposto, na costa da Sicília. A expressão “estar entre Cila e Caríbdis”, portanto, é estar entre o fogo e a frigideira, isto é, estar entre dois perigos. Os Argonautas, Ulisses e Eneias tiveram de navegar por esta passagem perigosa, o que conseguiram graças à proteção dos deuses.

Dom Quixote, no seu discurso sobre as dificuldades enfrentadas pelo estudante de letras humanas, chamou-as de “estas Cilas e Caríbdis” (estas Scilas y Caribdis) [I, XXXVII].

Circe é personagem da Odisseia de Homero. Seu personagem principal é Ulisses (Odisseus, em grego), rei de Ítaca, que tenta regressar a seu país depois da Guerra de Troia. Esta, por sua vez, é narrada por Homero na Ilíada (cujo nome deriva de Ilios, o equivalente grego de Troia).

Circe, na mitologia grega, era uma bela feiticeira que tinha o poder de transformar homens em animais. Quando Ulisses aportou em sua ilha, no Mediterrâneo, Circe transformou a maioria de seus homens em porcos e os levou a um chiqueiro. O deus Hermes, porém, tinha dado a Ulisses uma erva mágica para protegê-lo dos poderes de Circe e Ulisses forçou-a a devolver a forma humana a seus homens. Quando se preparavam para partir, Circe ensinou a Ulisses a tampar os ouvidos de seus marinheiros com cera para passar pela ilha onde moravam as sereias.

Ela é citada de passagem no Prólogo do Primeiro Livro: “Se (falarem) de encantadoras e feiticeiras, Homero tem Calipso e Virgílio tem Circe” (si de encantadores y hechiceras, Homero tiene a Calipso, y Virgilio a Circe). Esta é a única referência a Calipso e Circe em toda a obra. Virgílio também escreveu sobre a Guerra de Troia, na Eneida, que descreve as aventuras de Eneias, o herói troiano que sobreviveu à guerra, navegou para a Itália e fundou Roma. Por um pequeno cochilo, Cervantes atribui a feiticeira Circe apenas a Virgílio, mas ela também é personagem da Odisseia de Homero.

Amanhecer em Dom Quixote

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Aurora, Belerofonte, Belona, Bootes e Peritoo

Mário Amora Ramos

Aurora é a deusa do amanhecer. Seu marido chama-se Titão. Em grego, Titão é o nome poético de Hélios, o deus Sol. Dom Quixote imaginava que sua primeira saída, de madrugada, seria narrada com a descrição da “vinda da rosada Aurora, que, deixando a branda cama do zeloso marido, pelas portas e varandas do horizonte manchego aos mortais se mostrava” (venida de la rosada aurora, que, dejando la blanda cama del celoso marido, por las puertas y balcones del manchego horizonte a los mortales se mostraba) [I, II].

Manchego, distraído leitor, refere-se à Mancha, na Espanha central, de onde partiu nosso herói, Dom Quixote de la Mancha.

Belerofonte matou a Quimera, com a ajuda de Pégaso, seu famoso cavalo alado. Ele é mencionado por Dona Dolorida, a condessa barbada, numa conversa com Sancho, referindo-se a Clavilenho. Ela se refere a tantos cavalos famosos, que este trecho merece ser reproduzido na íntegra:

“- O nome – respondeu a Dolorida – não é como o cavalo de Belerofonte, que se chamava Pégaso; nem como o de Alexandre Magno, chamado Bucéfalo; nem como o de Orlando Furioso, que tinha por nome Brilhadouro; nem Baiardo, que foi de Reinaldo de Montalbán; nem Frontino, como o de Rogero; nem Bootes nem Peritoo, como dizem que se chamam os do Sol, nem tampouco se chama Orélia, como o cavalo com que o desditoso Rodrigo, último rei dos godos, entrou na batalha em que perdeu a vida e o reino.”

(- El nombre -respondió la Dolorida- no es como el caballo de Belorofonte, que se llamaba Pegaso, ni como el del Magno Alejandro, llamado Bucéfalo, ni como el del furioso Orlando, cuyo nombre fue Brilladoro, ni menos Bayarte, que fue el de Reinaldos de Montalbán, ni Frontino, como el de Rugero, ni Bootes ni Peritoa, como dicen que se llaman los del Sol, ni tampoco se llama Orelia, como el caballo en que el desdichado Rodrigo, último rey de los godos, entró en la batalla donde perdió la vida y el reino.) [II, XL].

Belona, na mitologia romana, é a deusa da guerra, esposa de Marte. Ela é citada num soneto em louvor de Rocinante (o cavalo de Dom Quixote) [I, LII]. Belona e Marte deram origem, respectivamente, aos adjetivos “bélico” e “marcial”.

Bootes e Peritoo estão citados no verbete Belerofonte acima. Sobre eles há uma nota explicativa na edição espanhola comemorativa do IV Centenário do Dom Quixote, patrocinada pela Real Academia Espanhola (Alfaguara 2004), segundo a qual Dona Dolorida confunde os cavalos do Sol (Flégon, Éoo, Piroo e Etonte) com Peritoo (um amigo de Teseu, que matou o Minotauro) e Bootes, uma constelação do hemisfério norte.

O próximo capítulo iniciará a letra C com Caco, um ladrão da mitologia grega.

Dom Quixote: Capítulo Dois!

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Aquiles, Arcádia, Argos e Ariadne

Mário Amora Ramos

Aquiles é um herói da Ilíada, de Homero, citado de passagem (I, XXXII). Sua mãe, Tétis, o mergulhara no rio Estige para torná-lo invulnerável, mas a água não molhou o calcanhar, por onde ela o segurava. Aquiles foi atingido por uma flecha, em seu único ponto fraco, o calcanhar. As mães nem sempre são bem-sucedidas nas tentativas de tornar seus filhos invulneráveis.

Arcádia, na mitologia grega, era uma região de pastores que se dedicavam à música e à poesia. Eugênio, o pastor de cabras, assim se referiu a ela:

“A nosso exemplo, muitos outros pretendentes de Leandra vieram para estes ásperos montes, fazendo o mesmo que nós; e são tantos que parece que este lugar se converteu na pastorial Arcádia, por tal forma está cheio de pastores e de apriscos, e não há aqui um recanto em que não se ouça o nome da formosa Leandra.”

(A imitación nuestra, otros muchos de los pretendientes de Leandra se han venido a estos ásperos montes, usando el mismo ejercicio nuestro; y son tantos, que parece que este sitio se ha convertido en la pastoral Arcadia, según está colmo de pastores y de apriscos, y no hay parte en él donde no se oiga el nombre de la hermosa Leandra.) [I, LI].

Argos, na mitologia grega, era um gigante de cem olhos, sempre vigilante. Depois de morto por Hermes, a deusa Hera espalhou os olhos de Argos na cauda de um pavão. Ricote se referiu aos “olhos de Argos” (ojos de Argos) [II, LXV] como símbolo de alerta contínuo.

 

Ariadne era filha de Minos, rei de Creta. Segundo a lenda, Atenas devia mandar, uma vez por ano, sete moças e sete rapazes para Creta, para serem devorados pelo Minotauro, um monstro mitológico com cabeça de touro e corpo de homem. Teseu decidiu partir entre eles e tentar matar a fera, que morava num labirinto, de onde ninguém conseguia sair.

Teseu foi ajudado por Ariadne, que se apaixonou por ele e lhe deu uma espada e um novelo de linha, para guiá-lo de volta do labirinto. Teseu matou o monstro e salvou seus companheiros. Ariadne deixou a casa paterna em companhia de Teseu, o qual a abandonou na ilha de Naxos. Lá, Dioniso, o deus grego dos ciclos vitais, das festas e do vinho, casou-se com ela e lhe deu uma constelação de presente. É a esta constelação que a Condessa Trifaldi (na verdade, o mordomo do Duque) se referiu quando mencionou a “coroa de Ariadne” (la corona de Aridiana) [II, XXXVIII] como exemplo ilustrativo das promessas do sedutor Dom Clavijo à infanta Antonomásia.

O próximo capítulo continuará na letra A, iniciando apropriadamente com Aurora, a deusa do amanhecer.

Nova Série: Dom Quixote

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Acteão, Anteu e Apolo

Mário Amora Ramos

O título Dom Quixote compreende dois livros, que costumam ser editados juntos: o primeiro é O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha, publicado em 1605, com 52 capítulos; o segundo, com o título Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha, surgiu dez anos depois, em 1615, com 74 capítulos.

Há uma grande riqueza de referências mitológicas em Dom Quixote. Muitas delas incorporaram-se ao nosso vocabulário, como substantivos. São exemplos: Aurora (deusa do amanhecer), Eco (ninfa que sucumbiu até que só restou sua voz), Flora (deusa das flores) e Quimera (monstro mitológico e, por extensão, fantasia irrrealizável).

Há até um processo industrial que deve seu nome à mitologia romana, a vulcanização, ou seja, a modificação das propriedades da borracha natural por meio do calor. Vulcano (Hefesto, para os gregos), o ferreiro dos deuses, era também o deus do fogo. Seu nome originou o substantivo “vulcão” e o adjetivo “vulcânico”.

Esta série de artigos, que se inicia com Acteão, Anteu e Apolo, apresentará as citações da obra seguidas de dois números entre parênteses, em algarismos romanos. O primeiro número se refere ao livro (I ou II) e o segundo, ao capítulo do livro. Por exemplo, (II, LVIII), na citação de Anteu, significa que o texto selecionado é do Segundo Livro (1615), Capítulo 58.

Acteão era um caçador que irritou Diana, a deusa romana da caça, ao vê-la banhar-se nua numa fonte (para os gregos, a fonte situava-se na região da Beócia). Ela o transformou num cervo e ele morreu atacado por seus próprios cães. Dom Quixote saudou uma bela pastora dizendo: “Decerto, formosíssima senhora, que não ficou mais surpreso nem mais admirado Acteão, quando viu, de repente, banhar-se nas águas Diana, do que eu fiquei atônito ao ver a vossa beleza” (Por cierto, hermosísima señora, que no debió de quedar más suspenso ni más admirado Anteón cuando vio al improviso bañarse en las aguas a Diana, como yo he quedado atónito en ver vuestra belleza) [(II, LVIII).

Anteu, na mitologia grega, era um lutador gigante invencível, desde que permanesse em contato com sua mãe, a Terra. Hércules inteligentemente o ergueu e “asfixiou Anteu, o filho da Terra, entre os braços” (ahogó a Anteo, el hijo de la Tierra, entre los brazos) [I, I].

Apolo representa o Sol. Um dos sonetos do Prólogo do Primeiro Livro diz que a fama de Dom Quixote durará enquanto “o louro Apolo fustigar seus cavalos” (sus caballos aguije el rubio Apolo), numa bela metáfora dos dias que correm. Há uma outra passagem na qual Dom Quixote se queixava de que o dia demorava a passar “parecendo-lhe que se tinham quebrado as rodas do carro de Apolo” (pareciéndole que las ruedas del carro de Apolo se habían quebrado) [II, LXXI]. Apolo é ainda mencionado, em muitas passagens, como o deus da poesia. Cervantes, afinal, era também poeta.

O próximo capítulo continuará na letra A, iniciando com o invulnerável Aquiles, o herói da Ilíada, de Homero, que originou a expressão “calcanhar de Aquiles”.

Para os Geeks da Literatura

Boas Novas! Mais do que um outro colaborador; consegui um novo colunista!

Meu querido tio e amante da literatura, Mário, combinou de palpitar por aqui sobre Mitologia e Literatura. A princípio voltado para as obras de Shakespeare; mas depois: quem sabe?

O texto de hoje é sobre referências mitológicas e a tragédia Hamlet. Já tenho outro texto do Mário em mãos que vai aparecer algum outro dia dessa semana; aguardem. Enquanto isso, nos encontramos nos comentários.

paris e barcelona 315

Referências Mitológicas em Hamlet, de Shakespeare

Mário Amora Ramos

Há sempre muito a aprender com as tragédias, comédias, dramas históricos e sonetos de Shakespeare, também autor de alguns poemas.

As referências mitológicas da tragédia de Hamlet, relacionadas a seguir, acompanhadas das principais localizações na obra original, são um bom exemplo do tesouro que é sua obra:

Apolo representa o Sol nas mitologias grega e romana. É a ele que Horácio se refere quando diz que “o galo […] acordou o deus do dia” (the cock […] awake the god of day) (1.1).

Um dos sonetos do Prólogo do primeiro livro de Dom Quixote, de Cervantes, diz que sua fama durará enquanto “o louro Apolo fustigar seus cavalos” (sus caballos aguije el rubio Apolo), numa bela metáfora dos dias que correm. Há uma outra passagem na qual Dom Quixote se queixava de que o dia demorava a passar “parecendo-lhe que se tinham quebrado as rodas do carro de Apolo” (pareciéndole que las ruedas del carro de Apolo se habían quebrado) [Dom Quixote, livro 2, cap. 71].

 

Cavalo de Tróia (Trojan horse) era um cavalo de madeira, presente dos gregos, mas na verdade carregado de soldados, para atacarem os troianos. Hamlet, em conversa com os atores contratados, na peça encenada dentro da peça, refere-se ao “corcel sinistro” (ominous horse) (2.2), onde se escondeu o guerreiro Pirro.

 

Ciclopes (Cyclops) eram três gigantes que habitavam a Sicília, segundo a Odisséia, de Homero. Tinham um só olho circular no meio da testa, conforme mostra a etimologia grega da palavra: kyklos, círculo, e ops, olho. Um dos atores contratados, ao recitar para Hamlet, refere-se aos “martelos dos Ciclopes” (Cyclops’ hammers) (2.2), simbolizando a violência do grego Pirro contra o rei Príamo. Os ciclopes eram ajudantes de Vulcano e com seus poderosos golpes ajudaram a forjar as flechas de Júpiter, o tridente de Netuno e o carro de Febo. Há abaixo verbetes específicos para Febo, Júpiter, Netuno e Vulcano.

 

Dâmon e Pítias (Damon and Pythias), na mitologia romana, eram amigos. Pítias foi condenado à morte, por tramar contra o rei Dionísio de Siracusa, e precisava de tempo para organizar seus negócios. Dâmon ficou no lugar do amigo, oferecendo sua vida como garantia do retorno de Pítias. Finalmente, Pítias retornou e foi perdoado. Hamlet compara o amigo Horácio a Dâmon (3.2).

 

Dido (Dido), apesar do nome masculino, é mulher. Na Eneida, de Virgílio, ela se apaixona por Enéias, o herói da guerra de Tróia, e se mata quando ele a deixa. Hamlet se refere a ela, de passagem, em conversa com um dos atores contratados (2.2).

 

Enéias (Aeneas) V. Dido.

 

Febo (Phoebus), na mitologia grega, é um outro nome de Apolo, o deus do sol. O ator que interpreta o rei, na peça encenada dentro da peça, diz que “o carro de Febo deu trinta voltas completas” (Full thirty times hath Phoebus’ cart gone round) (3.2). Estas trinta voltas completas equivalem a trinta anos, como o personagem explica mais adiante com a expressão “thirty dozen moons”, isto é, trinta dúzias de luas. O mês lunar (intervalo entre duas luas novas consecutivas) é de 29,5 dias; assim, “doze luas” servem como uma boa aproximação para “doze meses”. Em resumo, o ator quer dizer que trinta anos se passaram.

 

Hécate (Hecate), na mitologia grega, é a deusa da feitiçaria. O ator que interpreta Luciano, na peça encenada dentro da peça, refere-se a Hécate ao envenenar o rei adormecido (3.2). Hécate e três feiticeiras, que moram numa caverna, são personagens de Macbeth. Todas as suas profecias se cumprem, para infortúnio do personagem principal.

 

Hécuba (Hecuba), na Ilíada, de Homero, é a esposa do rei Príamo, morto pelo guerreiro grego Pirro na guerra de Tróia. Um dos atores contratados, ao recitar para Hamlet, refere-se à dor de Hécuba, que comoveria os próprios deuses, “a menos que as coisas mortais não os afetem” (Unless things mortal move them not at all) (2.2). No quarto solilóquio, no fim da mesma cena, Hamlet menciona os infortúnios de Hécuba. Hamlet tem um especial interesse neste trecho, pelo contraste que oferece entre o desespero de Hécuba com a morte do marido e a frivolidade da mãe, casando-se pouco depois de viúva. Embora não seja personagem da peça, Hécuba é também mencionada na tragédia Tróilo e Créssida, de Shakespeare.

Hércules (Hercules) é um personagem da mitologia grega famoso por sua força extraordinária e seus Doze Trabalhos. Hamlet diz que “o tio se parece tanto com o pai quanto ele (Hamlet) com Hércules” (My father’s brother: but no more like my father, than I to Hercules) (1.2). Rosencrantz se refere a “Hércules carregando o mundo” (Hercules and his load) (2.2): talvez um antecessor do marketing no teatro, já que Hércules era o símbolo do teatro Globe. Hamlet cita novamente Hércules, neste par de decassílabos, ao discutir com Laertes no enterro de Ofélia: “Hércules pode fazer o que quiser;/ o gato miará e o cão terá seu dia” (Let Hercules himself do what he may,/ The cat will mew, and dog will have his day) (5.1).

 

Himeneu (Hymen) é o deus grego do casamento. Hymen, em grego, significa membrana, sendo a origem do vocábulo “hímen”. O ator que faz o papel de rei, na peça encenada dentro da peça, diz que “o himeneu uniu nossa mãos” (Hymen did our hands unite) (3.2).

 

Hipérion (Hyperion), na mitologia grega, pode referir-se tanto ao pai do deus do sol (Hélio), como ao próprio deus do sol, como nesta passagem, na qual Hamlet fala do falecido pai: “um rei tão excelente que, em comparação com este, é como confrontar Hipérion com um sátiro” (So excellent a King, that was to this Hyperion to a satyr) (1.2).

Hamlet, ao mostrar à rainha os retratos do pai e do tio, compara os cabelos louros do pai aos “cachos de Hipérion” (Hyperion’s curls) (3.4).

 

Ílio (Illium) é o nome poético de Tróia, do qual deriva o nome Ilíada, o poema épico de Homero, que narra a guerra dos gregos contra Tróia. Um dos atores contratados de refere a ela de passagem (2.2).

 

Júpiter (Jove), na mitologia romana, é o deus supremo, senhor dos raios e das chuvas. Hamlet, ao mostrar à rainha os retratos do pai e do tio, compara o pai à “fronte do próprio Júpiter” (the front of Jove himself) (3.4).

 

Lete (Lethe) é um dos rios do Hades, o inferno da mitologia grega. Seu nome, em grego, significa esquecimento: quem bebe de sua água se esquece de sua vida passada. O fantasma do pai de Hamlet se refere às suas margens (1.5).

 

Marte (Mars) é o deus da guerra, na mitologia romana. Hamlet, ao mostrar à rainha os retratos do pai e do tio, diz que o pai tem “um olhar como o de Marte, para ameaçar ou comandar” (an eye like Mars, to threaten or command) (3.4). Há também uma breve referência à armadura de Marte (on Mars his armours) (2.2) usada pelo guerreiro Pirro, numa fala recitada por um dos atores, a pedido do príncipe.

 

Mercúrio (Mercury), na mitologia romana, era o mensageiro dos deuses e o deus do comércio. Hamlet, ao mostrar à rainha os retratos do pai e do tio, diz que o pai tem “um porte como o do arauto Mercúrio” (a station like the herald Mercury) (3.4).

 

Neméia (Nemea) era um vale perto de Argos, na Grécia antiga. Matar o leão da Neméia foi o primeiro dos Doze Trabalhos de Hércules, encomendados por Euristeu, rei de Argos. No seu primeiro encontro com a fantasma do pai, Hamlet compara seu estado de tensão à rigidez dos músculos do “leão da Nemeia” (Nemean lion) (1.4).

 

Netuno (Neptune), na mitologia romana, é o deus do mar. Seu equivalente grego é Poseidon. Horácio se refere ao “astro úmido, sob cuja influência está o império de Netuno” (the moist star, upon whose influence Neptune’s empire stands) (1.1). O “astro úmido” é a Lua, que na astronomia daquele tempo era o corpo celeste responsável pela umidade (moisture). A influência sobre o império de Netuno pode referir-se também às marés, que são afetadas pela atração exercida pela Lua.

O ator que faz o papel de rei, na peça encenada dentro da peça, menciona “Neptune’s salt wash” (3.2), isto é, as “ondas salgadas de Netuno”.

 

Ninfas (Nymphs), nas mitologias grega e romana, eram belas jovens que viviam nos bosques. É desta forma galante que Hamlet se dirige a Ofélia, quando esta entra em cena no fim do quinto solilóquio: “Ninfa, que em suas orações sejam lembrados os meus pecados” (Nymph, in thy orisons/ Be all my sins remembered) (3.1).

 

Niobe (Niobe), a rainha de Tebas, na mitologia grega, foi castigada com a morte de seus sete filhos e sete filhas. Ela chorava continuamente, mesmo após ser transformada em pedra por Zeus. Hamlet compara a mãe viúva a “Niobe em pranto” (Niobe, all tears) (1.2).

 

Olimpo (Olympus) é o nome do monte onde moram os doze principais deuses da mitologia grega, na porção norte da Tessália. V. Pélion.

 

Ossa (Ossa), na mitologia grega, é o nome de um monte. Hamlet, no enterro de Ofélia, diz a Laertes que deixe que as montanhas caiam sobre eles “até que o Ossa pareça uma verruga” (make Ossa like a wart) (5.1). V. Pélion.

 

Pélion (Pelion), na mitologia grega, é o nome de um monte. Quando os titãs lutaram contra os deuses, tentaram alcançar o Olimpo empilhando o monte Pélion sobre o monte Ossa, mas foram esmagados pelas ruínas de ambos os montes. Laertes, no enterro da irmã, refere-se ao “velho Pélion” (old Pelion) e ao “Olimpo azul” (blue Olympus) (5.1).

 

Pirro (Pyrrhus), um guerreiro grego, matou Príamo, rei de Tróia. Hamlet refere-se a ele, ao pedir a um dos atores contratados que recite um trecho de uma peça. Diz o príncipe: “Ela começa com Pirro” (It begins with Pyrrhus) (2.2). Hamlet provavelmente se interessa por esta passagem por retratar a dor da viúva Hécuba (V. acima) e porque Pirro também perdeu o pai, Aquiles, morto por Páris (filho de Príamo) com uma flechada no calcanhar, seu único ponto vulnerável.

 

Príamo (Priam) era rei de Tróia e marido de Hécuba. Um de seus filhos, Páris, raptou a bela Helena, filha de Menelau, rei de Esparta, iniciando a guerra de Tróia. Ele é também personagem da tragédia Tróilo e Créssida, de Shakespeare. V. Hécuba e Pirro.

 

Sátiros (Satyrs), na mitologia grega, eram assistentes de Dioniso, o deus do vinho (Baco, para os romanos). Os sátiros tinham orelhas pontudas, chifres curtos, cabeça e corpo de homem e pernas de cabra. Hamlet compara o rei Cláudio a um sátiro (V. Hipérion).

 

Telos (Tellus), na mitologia romana, é a deusa da terra. Daí deriva o adjetivo “telúrico”, relativo à Terra ou ao solo. O ator que faz o papel de rei, na peça encenada dentro da peça, menciona “a região orbital de Telos” (Tellus’ orbed ground) (3.2).

 

Termagante (Termagant) é uma deidade imaginária que os cristãos medievais atribuíam ao mundo muçulmano. É um símbolo da violência desmesurada, citado por Hamlet em sua instrução aos atores: “Eu mandaria açoitar um sujeito que exagerasse o papel de Termagante; isto equivale a ser mais Herodes do que o próprio Herodes: eu peço que evitem isso” (I could have such a fellow whipt for o’er-doing Termagant; it out-herod’s Herod: pray you, avoid it) (3.2).

 

Vulcano (Vulcan), na mitologia romana, é ferreiros dos deuses. Hamlet, quando pede a Horácio para observar as reações do rei, na peça representada dentro da peça, diz ao amigo Horácio que suas suspeitas são “tão negras quanto a forja de Vulcano” (as foul/ As Vulcan’s stithy) (3.2). Seu equivalente grego é Hefesto.


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