Deusas e Equestres

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

Palas Atena, Palinuro, Parcas, Páris e Pégaso

Mário Amora Ramos

Palas Atena é a deusa grega da sabedoria, equivalente à deusa romana Minerva. O Cavalo de Troia era um cavalo de madeira, presente dos gregos, consagrado a Palas, mas na verdade carregado de soldados para atacarem os troianos. Um autêntico “presente de grego”. Dom Quixote, precavido, quer examinar Clavilenho, o cavalo de madeira do trote dos duques:

“Se bem me lembro, li em Virgílio o caso do Palácio de Troia, que foi um cavalo de madeira, que os gregos consagraram a Palas, e que ia cheio de cavaleiros armados, que depois foram a ruína total de Troia; e assim será bom ver primeiro o que tem Clavilenho no estômago.”

(Si mal no me acuerdo, yo he leído en Virgilio aquello del Paladión de Troya, que fue un caballo de madera que los griegos presentaron a la diosa Palas, el cual iba preñado de caballeros armados, que después fueron la total ruina de Troya; y así, será bien ver primero lo que Clavileño trae en su estómago.) [II, XLI].

Clavilenho também está nos verbetes Belerofonte e Faetonte.

Palinuro era o timoneiro do navio de Eneias, na Eneida, de Virgílio. Dom Luís, enamorado de Clara de Viedma, citou o piloto na canção que dedicou a ela, neste trecho:

“Vou seguindo uma estrela

que desde longe descubro

mais bela e resplandecente

Que quantas viu Palinuro.”

(Siguiendo voy a una estrella

que desde lejos descubro,

más bella y resplandeciente

que cuantas vio Palinuro.) [I, XLIII]

Parcas são as três deusas da mitologia grega que tecem, medem e cortam o fio da vida, como indica esta frase da Condessa Trifaldi: “se já os fados invejosos e as Parcas endurecidas não lhe cortaram o fio da vida” (si ya los hados invidiosos y las parcas endurecidas no la han cortado la estambre de la vida.) [II, XXXVIII].

Páris foi mencionado no verbete Menelau, o rei de Esparta, casado com Helena. Ela foi raptada pelo troiano Páris, o que motivou a guerra de Troia, narrada por Homero na Ilíada (cujo nome deriva de Ilios, o equivalente grego de Troia).

Voltando para sua aldeia, Dom Quixote e Sancho Pança encontram numa estalagem modesta um tapeçaria que retrata “o rapto de Helena, quando o atrevido hóspede a levou de Menelau” (el robo de Elena, cuando el atrevido huésped se la llevó a Menalao) [II, LXXI].

Pégaso foi citado no verbete Belerofonte, matou a Quimera, com a ajuda de Pégaso, seu famoso cavalo alado. Ele é mencionado por Dona Dolorida, a condessa barbada, numa conversa com Sancho, referindo-se a Clavilenho: “O nome – respondeu a Dolorida – não é como o do cavalo de Belerofonte, que se chamava Pégaso” (El nombre -respondió la Dolorida- no es como el caballo de Belorofonte, que se llamaba Pegaso) [II, XL].

Amanhecer em Dom Quixote

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Aurora, Belerofonte, Belona, Bootes e Peritoo

Mário Amora Ramos

Aurora é a deusa do amanhecer. Seu marido chama-se Titão. Em grego, Titão é o nome poético de Hélios, o deus Sol. Dom Quixote imaginava que sua primeira saída, de madrugada, seria narrada com a descrição da “vinda da rosada Aurora, que, deixando a branda cama do zeloso marido, pelas portas e varandas do horizonte manchego aos mortais se mostrava” (venida de la rosada aurora, que, dejando la blanda cama del celoso marido, por las puertas y balcones del manchego horizonte a los mortales se mostraba) [I, II].

Manchego, distraído leitor, refere-se à Mancha, na Espanha central, de onde partiu nosso herói, Dom Quixote de la Mancha.

Belerofonte matou a Quimera, com a ajuda de Pégaso, seu famoso cavalo alado. Ele é mencionado por Dona Dolorida, a condessa barbada, numa conversa com Sancho, referindo-se a Clavilenho. Ela se refere a tantos cavalos famosos, que este trecho merece ser reproduzido na íntegra:

“- O nome – respondeu a Dolorida – não é como o cavalo de Belerofonte, que se chamava Pégaso; nem como o de Alexandre Magno, chamado Bucéfalo; nem como o de Orlando Furioso, que tinha por nome Brilhadouro; nem Baiardo, que foi de Reinaldo de Montalbán; nem Frontino, como o de Rogero; nem Bootes nem Peritoo, como dizem que se chamam os do Sol, nem tampouco se chama Orélia, como o cavalo com que o desditoso Rodrigo, último rei dos godos, entrou na batalha em que perdeu a vida e o reino.”

(- El nombre -respondió la Dolorida- no es como el caballo de Belorofonte, que se llamaba Pegaso, ni como el del Magno Alejandro, llamado Bucéfalo, ni como el del furioso Orlando, cuyo nombre fue Brilladoro, ni menos Bayarte, que fue el de Reinaldos de Montalbán, ni Frontino, como el de Rugero, ni Bootes ni Peritoa, como dicen que se llaman los del Sol, ni tampoco se llama Orelia, como el caballo en que el desdichado Rodrigo, último rey de los godos, entró en la batalla donde perdió la vida y el reino.) [II, XL].

Belona, na mitologia romana, é a deusa da guerra, esposa de Marte. Ela é citada num soneto em louvor de Rocinante (o cavalo de Dom Quixote) [I, LII]. Belona e Marte deram origem, respectivamente, aos adjetivos “bélico” e “marcial”.

Bootes e Peritoo estão citados no verbete Belerofonte acima. Sobre eles há uma nota explicativa na edição espanhola comemorativa do IV Centenário do Dom Quixote, patrocinada pela Real Academia Espanhola (Alfaguara 2004), segundo a qual Dona Dolorida confunde os cavalos do Sol (Flégon, Éoo, Piroo e Etonte) com Peritoo (um amigo de Teseu, que matou o Minotauro) e Bootes, uma constelação do hemisfério norte.

O próximo capítulo iniciará a letra C com Caco, um ladrão da mitologia grega.