Adeus da Série “Referências Mitológicas em Dom Quixote”

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

Sinon, Sísifo, Tântalo, Teseu, Tício, Ulisses, Vênus, Vulcano e Zeus

Mário Amora Ramos

Sinon era filho de Sísifo, ao qual é dedicado o próximo verbete. Sinon deixou-se aprisionar pelos troianos para ajudar os compatriotas gregos a infiltrarem o Cavalo de Troia. Cervantes refere-se às “traições de Sinon” (las traiciones de Sinón) [I, XLVII], embora ele tenha sido mais propriamente um agente secreto dentro das linhas inimigas.

O comentarista Martín de Riquer esclarece que “segundo as lendas clássicas [Sinon] era grego, mas no tempo de Cervantes divulgou-se a crença de que era um troiano a serviço do inimigo (como em Troya abrasada, de Calderón e Zabeleta), o que justifica que lhe atribuam traições”.

Sísifo, na mitologia grega, era rei de Corinto, condenado pelos deuses ao suplício de rolar uma pedra pesada para o alto de uma montanha, a qual rolava de volta para baixo, num trabalho improdutivo e interminável. A Canção de Crisóstomo se refere a Sísifo e seu “peso terrível” (peso terrible) [I, XIV].

Tântalo, na mitologia grega, era rei da Frígia, condenado pelos deuses ao suplício da sede, tendo água até o pescoço, e da fome, por não alcançar os frutos da árvore que lhe dava sombra. A Canção de Crisóstomo se refere a “Tântalo com sua sede” (Tántalo con sua sed) [I, XIV].

Teseu, rei de Atenas, matou o Minotauro no labirinto de Creta, ajudado por um fio que lhe foi dado por Ariadne. Dom Quixote adverte Sancho contra os encantadores, que podem envolvê-lo “num labirinto de imaginações, que não conseguirias sair dele, nem que tivesses a corda de Teseu” (en un laberinto de imaginaciones,que no aciertes a salir dél, aunque tuvieses la soga de Teseo). [I, XLVIII].

Tício era um gigante, condenado pelos deuses ao suplício de ter suas entranhas roídas por um abutre. A Canção de Crisóstomo se refere a Tício e “seu abutre” (su buitre) [I, XIV].

Ulisses, também chamado Odisseu, foi o herói da Odisseia, de Homero. Dom Quixote se refere a ele como “prudente e sofrido” (prudente y sufrido) [I, XXV]. V. também Calipso, Cila e Caríbdnis, Circe, Penélope e Polifemo.

Vênus, na mitologia romana, é a deusa do amor. Corresponde a Afrodite, na mitologia grega. Ela aprarece na Canção de Altisidora “nas suas selvas” (en sus selvas) [II, LXII] e nesta referência a Vulcano, “o ciumento deus dos ferreiros que prendeu Vênus e Marte numa rede” (el celoso dios de los herreros enredó a Venus y a Marte) [II, LXVIII].

Vulcano, na mitologia romana, é o deus dos ferreiros, equivalente a Hefesto, na mitologia grega. Ele aparece indiretamente como “deus das ferrarias” (dios de las herrerías) [I, XXI] e como “o ciumento deus dos ferreiros”, no verbete acima.

Zeus, o deus supremo dos gregos, não é mencionado diretamente em Dom Quixote, mas aparece nos verbetes Dânais, Faetonte e Plêiades. Há, no entanto, um verbete referente a Júpiter, seu equivalente na mitologia romana.

Encerram-se aqui as referências mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, numa modesta homenagem ao quarto centenário da morte do autor, em 1516.

Raptos, Inspirações e Mulheres Poderosas

Referências Mitológicas no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 

Medeia, Medusa, Menelau e as Musas

Mário Amora Ramos

Medeia foi citada no verbete relativo a Jasão. Ela era filha do rei Eetes, da Cólquida. Após conquistar o Velocino de Ouro, uma pele recoberta da lã de um carneiro fabuloso, Jasão fugiu com Medeia e enfrentou várias aventuras na volta para casa. Após dez anos de casado, ele repudiou Medeia para desposar Gláucia, filha de Creonte, rei de Corinto. Medeia, por vingança, matou Gláucia e os próprios filhos que tivera de Jasão.

Ela é citada de passagem no Prólogo do Primeiro Livro, como símbolo de crueldade: “Se tratardes de cruéis, Ovídio porá Medeia à vossa disposição”  [Si tratáredes de (…) crueles, Ovidio os entregará a Medea].

Medusa foi citada no verbete relativo a Dânae. Medusa era a única mortal das três irmãs chamadas Górgonas. Medusa gabou-se de sua beleza para a deusa Atena, que ficou com inveja e transformou-a num ser horrendo, com cobras vivas no lugar de cabelos. Eram tão feias que quem as olhava se transformava em pedra. Perseu, filho de Dânae, matou a Medusa usando um escudo polido como um espelho para olhá-la indiretamente.

Num galanteio, Dom Quixote promete dar à filha de um hospedeiro, se ela os pedisse, “uma madeixa dos cabelos de Medusa, que eram todos cobras, ou os próprios raios do sol encerrados numa redoma” (una guedeja de los cabellos de Medusa, que eran todos culebras, o ya los mesmos rayos del sol encerrados en una redoma) [I, XLIII].

Menelau foi citado no verbete relativo a Helena. Ele era o rei de Esparta, casado com Helena. Ela foi raptada pelo troiano Páris, o que motivou a guerra de Troia, narrada por Homero na Ilíada (cujo nome deriva de Ilios, o equivalente grego de Troia).

Voltando para sua aldeia, Dom Quixote e Sancho Pança encontram numa estalagem modesta um tapeçaria que retrata “o rapto de Helena, quando o atrevido hóspede a levou de Menelau” (el robo de Elena, cuando el atrevido huésped se la llevó a Menalao) [II, LXXI].

Minos e Radamanto foram citados no verbete relativo aos Campos Elísios, a morada das pessoas virtuosas após a morte, se os três juízes dos infernos (Eaco, Minos e Radamanto) decidissem que tinham tido uma vida digna. Minos e Radamanto são personagens de um trote pregados pelos duques em Dom Quixote e Sancho Pança [II, LXIX].

Musas, na mitologia grega, são nove ninfas protetoras das artes: Clio (história), Euterpe (música), Tália (comédia e poesia pastoral), Melpômene (tragédia), Terpsícore (dança) Érato (elegia), Polínia (poesia lírica), Urânia (astronomia) e Calíope (eloquência).

Np Prólogo do Primeiro Livro, Cervantes lamenta o desconforto do cárcere e a falta de condições nas quais “as musas mais estéreis se mostrem fecundas” (las musas más estériles se muestren fecundas). No Segundo Livro, Dom Quixote cita o deus romano Febo a as musas ao elogiar os versos de Dom Lourenço [II, XVIII].

Pausa para as Eleições

Festa na corte! Casamento no Olimpo do mortal Peleu com a nereida Tétis. As notícias da corte têm Ibope, vendem jornal… Mas é nessas horas que aparece com mais clareza o quanto os mortais e os deuses estão interligados mais intimamente do que se acredita.

Dizem que a Guerra de Troia foi uma guerra de cartas marcadas que precisava acontecer para diminuir a população que estava pesando muito sobre a deusa Gaia (a Terra). Como diria o ABBA: os deuses, com suas mentes calculistas, jogam os dados e alguém aqui em baixo perde alguém amado.

De um jeito ou de outro, a Guerra de Troia começou com uma votação no Olimpo (só que não). Éris, a deusa da discórdia, não foi convidada para as bodas que estavam acontecendo no Olimpo. Ao melhor estilo Malévola, ela deu um jeito de estragar a festa e ainda sair como a fina. Seu “presente de grego” foi mandar um pomo (jeito mitológico de chamar maçã) com o bilhete:

“À Mais Bela”.

Como planejado, o presente foi o estopim de uma guerra de egos entre as deusas. Foram para o “segundo turno”, não exatamente as mais qualificadas, mas as mais poderosas: Hera, mulher de Zeus (primeira dama do Olimpo); Athená, filha de Zeus e Afrodite, amante do Senhor do Olimpo. Imediatamente, todos os olhares se viraram para o deus e pediram que ele escolhesse.

Zeus, no alto de sua sabedoria, se esquivou da escolha e mandou que o mortal Páris (futuro príncipe de Troia) escolhesse quem seria coroada a deusa da beleza. O jovem ficou maravilhado com a visão das 3 deusas olímpias na sua frente. Seus pobres olhos mortais não eram capazes de julgar a beleza de criaturas celestiais como as três que se apresentavam a sua frente.

Como mais frequentemente do que desejamos acontece, Páris votou de acordo com a oferta que mais lhe agradava. Hera prometeu que ele seria senhor de toda Ásia e teria riquezas incontáveis. Athená ofereceu ao jovem torná-lo o guerreiro mais vitorioso e o homem mais sábio de todo mundo. Afrodite pediu seu voto em troca do amor da mulher mais bela da Terra; Helena de Esparta. O interesse de Páris foi maior pelo amor de Helena e o jovem seguiu rumo a Esparta para “sequestrar” a rainha; enquanto Afrodite era eleita a mais bela entre as belas.

Troia queimou. A Grécia ficou sem seus jovens por dez anos. Muitas vidas foram extraídas. Muitas mulheres se tornaram escravas. A guerra dos deuses foi paga pelos mortais.

Acho que os deuses estão rindo muito por nos terem dado de presente a democracia…

Sua Princesa Está em Outro Castelo

paris e barcelona 194

“Foi esta a face que lançou mil navios?”

Helena, conhecida como de Tróia; pode ser considerada a mulher mais bonita de toda Grécia. Ela foi responsável por fazer uma armada inteira se lançar em uma guerra que durou dez anos.  No entanto, existe uma outra princesa responsável por lançar milhares de geeks em uma jornada para resgatá-la das garras do terrível Bowser; a Princesa Peach.

A Guerra de Troia dá assunto para vários e vários posts. Até porque existem várias versões para o mito. Sabe como é… “quem conta um conto aumenta um ponto”; e assim a história foi sendo modificada em cada cidade-estado grega ou em cada canto do Império Romano.

É consenso que Helena fugiu com Páris, um convidado em sua casa, para Troia. Mas há divergência se ela foi raptada (sob os feitiços de Afrodite) ou se foi por amor ao jovem mancebo. Assim como todos sabem que Peach foi sequestrada pelo Bowser. Mas será que ela não tinha se cansado do mais famoso encanador do planeta?

Uma das versões da Guerra de Troia conta que o barco de Menelau (o maridão de Helena) foi desviado para o Egito quando ele e sua amada retornavam da Guerra. Nessa parada no Egito, Menelau descobriu que a verdadeira Helena o esperava por lá. A deusa Afrodite foi escolhida pelo jovem Páris como mais a deusa mais bela. Como prêmio, ela lhe deu o amor de Helena, a mais bela mortal de toda Grécia, e isso gerou a Guerra de Troia. Hera, inconformada de haver perdido o concurso de beleza para Afrodite; sabotou os planos da deusa da beleza. Ao invés de Helena ir com Páris para Troia; quem foi em seu lugar foi um espectro.

Assim sendo, a guerra que mudou o destino tanto da Grécia como de Troia não passou de um engodo. Todos os guerreiros mortos, a cidade queimada e os cidadãos transformados em escravos foram em nome de uma figura de fumaça. Exatamente como quando se vence todas as fases do Super Mario para se descobrir que sua princesa está em outro castelo.

Até hoje não se tem consenso se Helena amava o marido Menelau, o amante Páris ou os dois. Tornando-a a mulher mais misteriosa da Grécia. Se as teorias sobre o videogame estiverem certas; abre teu olho Mário…