As mãos frenéticas atacavam o papel. O momento era inoportuno, mas foi a hora em que apareceu a inspiração e ela deveria ser posta no papel. Caso contrário, algo estaria perdido. E tinha certeza de que era algo importante demais para simplesmente desaparecer.
Eu sempre acreditei em momentos de inspiração, em algo que você só pode criar no momento certo; quase como as musas gregas. Por isso, sempre me perturbou tanto ter que escrever com prazos, e pior, com assuntos pré-definidos em uma forma fechada. É algo do tipo: “eu sei que eu posso fazer melhor, mas não agora”.
Pessoas que trabalham com criatividade tendem a ser pessoas mais sensíveis e, por isso, mais suscetíveis a se transtornar com questões que para os outros podem parecer básicas. Não são raros os casos de artistas que enlouquecem, se deprimem, desperdiçam a vida com álcool e drogas ou todas as alternativas anteriores. Como também são inúmeros os livros falando sobre como é difícil escrever ou os filmes e peças sobre como é dura a vida de um ator.
Se você criou algo “com alma” significa que seus sentimentos estão emaranhados ali no meio. Você coloca no trabalho seus problemas e tormentos da vida pessoal. Ou melhor, você transforma em trabalho aquilo que te perturba o tempo inteiro. Uma amiga sempre cita a frase: “Escrever é dançar pelado no telhado”. Nunca soube a autoria da frase, mas sempre gostei dela.
Outra coisa que eu sempre ouvi é que se deve escrever sobre o que se sabe. Essa me é mais intrigante: se eu for escrever sobre o que eu vivi o livro não vai ficar absurdamente chato? Quantas pessoas realmente tem uma história incrível que mereça ser contada? E os grandes livros de fantasia? J.K. Rowling então é uma bruxa para ter escrito Harry Potter?
Minhas visões sobre essa última parte vieram mudando com o tempo. Mesmo que você tenha uma imaginação incrível, o centro da sua história vem de algo muito pessoal. Voltando ao Harry Potter, a grande jornada do menino é para validar o sacrifício dos pais; é lutar pelo que existe de bom no mundo. O resto é a forma como isso foi transmitido. J.K. tinha perdido a mãe quando escreveu o primeiro livro. Ela sabia o que era o sentimento de querer deixar orgulhosa a mãe que já tinha partido.
Escrever é minha válvula de escape; como se a criatividade estivesse presa dentro de mim e enquanto ela não for liberada eu não posso me ocupar com mais nada. Eu até tenho a sensação de que as histórias são serezinhos que moram na minha cabeça e que quando começam a pular dizendo: “Me escreve! Me escreve!”; eles não calam a boca até eu escrever
Queria era falar da visão sobre criatividade que Elizabeth Gilbert (de Comer, Rezar e Amar) tem sobre criatividade. Eu primeiro entrei em contato com isso em uma palestra do TED. Mas agora, a autora desenvolve o tema mais a fundo em seu novo livro “Grande Magia”.
Na palestra, ela fala sobre as diferenças entre ser um gênio e ter um gênio. Ela conta que agora todo mundo pergunta se ela não tem medo de nunca mais escrever algo que seja tão bom ou que faça tanto sucesso quanto o best-seller dela. Então, ela se lembra de que quando dizia que queria ser escritora todo mundo perguntava se ela não tinha medo de nunca conseguir escrever nada bom ou que fizesse sucesso .
A resposta dela é: “sim, eu tenho medo”. E ela aponta que todos temos; todos podemos nunca ter sucesso na profissão ou que os nossos maiores feitos tenham já tenham ocorrido. Porém, isso parece pesar de forma mais forte nas mentes criativas.
Um conceito que mudou com o tempo foi a forma de olhar essa criatividade. Na antiguidade, a obra genial era feita pelo artista mas conduzida por uma força sobrenatural; ou seja, seu sucesso ou fracasso dependia do sobrenatural e não de você, pobre mortal. Entretanto, quando chega o Iluminismo o homem passa a tomar o destaque no processo: tudo agora está nas mãos do artista que é ou não é um gênio.
No livro, ela deixa de lado qualquer receio de parecer hippie e diz que continua acreditando que criatividade seja algo que vem de fora, uma força sobrenatural e exterior ao artista.“Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando.” Pablo Picasso.
Independente de sua visão pessoal sobre as origens da criatividade, “Grande Magia” é um convite a uma vida mais plena. Uma vida mais em contato com qualquer que seja a forma que você tenha de expressar sua criatividade. Uma vida em que haja mais expressão. Com isso, vem o contato com sua vida interior, as questões que mais te apavoram e que tornam a existência na Terra algo maior.
Minha visões sobre criatividade mudam com o tempo, mas o fascínio sobre ela é uma constante. Cada vez mais acredito na arte como terapia; como um bálsamo para a alma. A arte mostra o que queremos esconder e faz com que tenhamos que brincar com nossos monstros. Aprendi a escrever personagens com meus defeitos (os piores). Moldo os personagens e faço sua jornada ser sobre consertar suas características negativas. Me moldo e me modifico com eles. Libero pela criatividade tudo o que bloqueia o meu caminho. A critividade é minha válvula de escape: enquanto ela está funcionando (e não presa dentro de mim), consigo ir resolvendo os outros problemas da vida real.
Para ir além: