Então Bebamos uma Xícara de Chá

Livros são como viagens: alguns a gente lê pelo destino final e outros para ir vendo as paisagens pelo caminho. Com livros policiais, ou de ação, o que queremos é chegar ao fim e saber quem matou. São livros que podem ser “estragados” se alguém revela antes a grande surpresa do final. E há livros como “A Elegância do Ouriço” de Muriel Barbery.

A trama se passa em um edifício em Paris no qual a zeladora e uma adolescente desenvolvem uma relação especial através do olhar que uma tem da outra. Quase não tem ação; digo quase porque vai num crescendo. Com isso, começa muito devagar e só ganha ritmo quase no final. Mas é sensível e bonito e traz consigo belas paisagens pelo caminho. Analisemos um trecho:

 

“Assim como Kazuko Okakura, autor do Livro do Chá, que se consternava com a revolta das tribos mongóis no século XIII, não porque ela causara morte e desolação mas porque destruíra, entre os frutos da cultura Song, o mais precioso deles, a arte do chá, eu sei que não se trata de uma bebida menor. Quando se torna ritual, o chá constitui o cerne da aptidão para ver a grandeza das pequenas coisas. Onde se encontra a beleza? Nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a morrer, ou nas pequenas que, sem nada pretender, sabem incrustar no instante uma preciosa pedrinha de infinito?

O ritual do chá, essa recondução exata dos mesmos gestos e da mesma degustação, esse acesso a sensações simples, autênticas e requintadas, essa licença dada a cada um, a baixo custo, de se tornar um aristocrata do gosto, porque o chá é a bebida tanto dos ricos como dos pobres, o ritual do chá, portanto, tem essa virtude extraordinária de introduzir no absurdo de nossas vidas uma brecha de harmonia serena. Sim, o universo conspira para a vacuidade, as almas perdidas choram a beleza, a insignificância nos cerca. Então, bebamos uma xícara de chá. Faz-se o silêncio, ouve-se o vento que sopra lá fora, as folhas de outono sussurram e voam, o gato dorme sob uma luz quente. E, em cada gole, se sublima o tempo.” Muriel Barbery, A Elegância do Ouriço

 

Se, como Nietzsche dizia, nossa salvação for mesmo pela estética; acho que Muriel Barberry iria concordar. Também é um pouco por isso que eu tenho um blog sobre Mitologia. Sobreviveríamos sem histórias que nos explicassem o mundo, mas a que custo? Dizem que os primeiros sinais de uma “mitologia” foi encontrarem pólen de flores em túmulos pré-históricos. O homem das cavernas já sentia necessidade de marcar momentos importantes como a morte de um ente querido. Desde os primórdios, sentimos necessidade de enfeitar o mundo a nossa volta. O por quê? Que digam as futuras gerações quando nos estudarem nos mitos.

Tradição Oral

Passamos pelo Dia das Crianças e o Dia do Mestre. O que os dois têm em comum? Ambos vão à escola; você poderia dizer. Mas nem sempre foi assim; eu te respondo. Entretanto uma coisa tão antiga quanto o tempo é a arte de contar histórias.

A Mitologia era a “religião oficial” da Grécia (muitas aspas para a questão ‘religião’, ‘oficial’, ‘Grécia como uma só’, entre outros). Mais do que uma questão de não se ofender os deuses; os mitos eram também a forma de explicar o funcionamento do mundo. Tanto o mundo natural quanto as formas de socialização. Havia deuses para a colheita, a guerra, o casamento, a justiça…

Atualmente, nos contentamos bastante com o discurso científico para explicar fenômenos do mundo natural. Portanto, as narrativas nunca realmente nos abandonam. Existe sempre um cantinho da alma que a ciência não consegue coçar direito. Para os heróis, os aventureiros, as princesas, as bruxas e muito outros dentro de nós; não há nada como um filme, um livro, uma série no YouTube para acalmar.

Um autor de quem gosto muito, John Green, diz que as histórias são nossas formas de “imaginar os outros complexamente”. Toda história tem dois lados. Todo vilão tem motivações. E todos somos mais do apenas uma camada. Muitas vezes, na correria do dia-a-dia não paramos para pensar que “o porteiro”, “o garçon”, “o professor”, “a moça com quem cruzamos na rua” são pessoas com sonhos, ambições, problemas e talentos ocultos.

Apenas com a ficção nos é permitido enxergar o mundo através dos olhos de outra pessoa. Podemos viver uma aventura, sofrer uma perda irreparável ou mesmo desafiar todas as leis da física sem correr nenhum perigo, nenhum arranhão.

Esse é o John Green; okay?

Esse é o John Green; okay?

Por isso eu preciso de um blog de Mitologia. Por isso, no meu vocabulário ‘mito’ e ‘experiência” valem a mesma coisa (experiência não pode ser uma história também?).  Por isso eu respiro histórias de todos os tipos. As vezes é necessário usar a imaginação para resolver um problema do “mundo real”. Uma história pode mudar o mundo e deve mudar seu mundo.

“- Claro que está acontecendo em sua mente, Harry, mas por que isto significaria que não é real?”