Como hoje eu acordei meio benjaminiana resolvi falar da aura das obras de arte. Em termos gerais, Walter Benjamin fala que as obras de arte têm um que a mais que não é só a obra em si e que faz delas obras-primas. Existem várias teorias em Filosofia da Arte, mas o que eu quero focar hoje é nessa parte que vai além; também na teoria de que a história das obras de arte acaba se tornando parte delas e modificam o olhar que temos sobre elas.
O melhor exemplo disso é a Monalisa. Quando se entra no Louvre para ver a obra-prima de Da Vinci; o que se vê, na verdade, são todas as lendas e as histórias que envolvem esse quadro. Você fica procurando confirmar se ela segue mesmo alguém pela sala com o olhar; você tenta decifrar o que há por trás do famoso enigma do sorriso da Gioconda. Se não fosse essa aura envolvendo o quadro, o que você veria seria a porcaria de um quadro pequeno, atrás de um vidro e cheio de japoneses tentando tirar foto dele entre você e o quadro (ok, se não fosse pela aura talvez não tivessem tantos japoneses). Meu querido tio Mário brinca e diz que todos prestam atenção na Monalisa e ninguém vê o gigantesco e maravilhoso quadro que está na parede oposta a ela. (Confesso que lembro vagamente do quadro; eu estava no cliché de tentar ver a famosa dama (?) atrás da prisão de vidro. Afinal, como ir ao Louvre e não tentar ver a Monalisa?).
Outro exemplo maravilhoso desta pós-vida das obras de arte é a questão se Capitu traiu ou não Bentinho. Confessem, os poucos que realmente leram “Dom Casmurro” com atenção, vocês ainda teriam lido com o mesmo interesse se não fossem os milhões de estudiosos que já se debruçaram sobre a obra para tentar tirar argumentos para cada um dos lados? Machado de Assis (embora genial) realmente criou uma trama tão interessante assim para atravessar os anos? A história do romance entre os dois vizinhos e a traição (dada como certa pelo narrador) não tem em si nada de especial. O que traz o brilho de “Dom Casmurro” é o fato da mulher dos olhos de ressaca não poder dar a sua opinião. O grande ponto do livro é a narração unilateral que trás argumentos de apenas um lado. Seria Capitu um demônio tão grande quanto o pintado por Bentinho se pudéssemos ver seus argumentos? É como estar preso em uma briga de casal em que só um dos lados pode falar. A grande “brincadeira” de Machado é deixar pistas de pontos cegos de Bentinho para que possamos procurar argumentos para a não-traição de Capitu. (Ou não. Ou isso é mais uma das discussões de críticos que costumam irritar os autores. “Uma pedra no meio do caminho” pode apenas ser um pedaço de rocha que se encontra por onde o eu-lírico passa).
O que torna uma obra um clássico é o fato de ainda gerar discussões por muitos anos vindouros. Gerar mais perguntas que respostas; um microcosmos refletindo as grandes questões sem resposta da humanidade. Passemos então à Mitologia; você sabe por que cada mito tem, geralmente, mais de uma versão? Tudo bem, a oralidade é o fator número um. Mas também há o fato de os conquistadores se apropriarem de mitos das regiões conquistadas. Uma deusa mãe tem características próprias de cada região (agrícola, silvícola, urbana, etc.). Porém, imagine-se na antiguidade e chegando a uma nova cidade. Eles dizem que a deusa deles tem um nome diferente, mas você sabe que aquela é a mesma deusa que sempre te protegeu.
Citando Gil: “sons diferentes, sim, para sonhos iguais”.